O Ministério Público Federal (MPF) realizou, em setembro, uma rodada de visitas presenciais a comunidades tradicionais de Oriximiná, na região do baixo Amazonas, noroeste do Pará, para levantar demandas e compartilhar informações úteis para a efetivação dos direitos dessas famílias. Em quatro comunidades quilombolas (Mussurá, Jarauacá, Jauari e Pancada) e em uma comunidade que tem famílias ribeirinhas e quilombolas (Nova Aliança), foi detectada a falta crônica de assistência aos territórios, sobretudo quanto às ações de proteção das áreas tradicionais.
Entre os temas mais frequentes nos diálogos, estiveram a necessidade de efetivação de direitos a serviços e políticas públicas essenciais, como acesso à saúde, educação e água; acesso a políticas públicas voltadas especificamente a territórios quilombolas e a comunidades ribeirinhas; urgência da resolução de questões territoriais e de regularização fundiária, além de riscos à subsistência das comunidades provocados pela entrada de pessoas não autorizadas, principalmente para atividades exploratórias, como a pesca predatória.
Os trabalhos, que duraram três dias e exigiram quase 24 horas de deslocamento por rios da região, cumpriram dispositivos previstos na Resolução nº 230/2021 do Conselho Nacional do Ministério Público, que estabelece que a atuação do Ministério Público junto aos povos e comunidades tradicionais se pautará pela observância da autonomia desses grupos e pela construção de diálogo intercultural permanente, de caráter interseccional, sendo a presença física nos territórios um dos requisitos para que esse tipo de diálogo ocorra.
Encaminhamentos – Entre as definições gerais compartilhadas pelo procurador da República Paulo de Tarso Moreira Oliveira durante as visitas, o MPF decidiu instaurar procedimento para averiguar a conformidade e legalidade dos acordos de pesca aprovados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) na região e a compatibilidade desses acordos com a gestão das unidades de conservação e o modo de vida dos povos e comunidades tradicionais das respectivas áreas de abrangência.
Sobre deficiências na área da educação, que incluem denúncias sobre suposta violação de direitos trabalhistas de professores, o MPF também decidiu abrir investigação, em articulação com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT), além de tratativas com a Secretaria de Educação do Município de Oriximiná.
O MPF também decidiu abrir procedimento para propor e acompanhar iniciativas necessárias para a atualização dos dados de membros das comunidades quilombolas de Oriximiná no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) e colocou-se à disposição das comunidades para atuar no reforço da fiscalização ambiental nos territórios, em articulação com a Semas. Além disso, o MPF registrou que, a partir de informações sobre violações de normas nos territórios, podem ser abertos inquéritos para apurar a responsabilidade criminal dos infratores.
Apoio das comunidades – Para apoiar a atuação do MPF, associações e lideranças quilombolas comprometeram-se a levantar dados sobre o histórico das tratativas, no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para a inclusão de quilombolas na relação de beneficiários dos programas geridos pela autarquia. Com esses dados, o MPF fará uma análise legislativa do tema e adotará as providências necessárias para a efetivação dos direitos das famílias.
Em relação à comunidade Pancada, da Terra Quilombola Erepecuru, a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Município de Oriximiná (Arqmo) deve enviar ao MPF um relatório com informações sobre os impactos gerados na região pela retirada das bases ambientais antigamente instaladas na comunidade. Também foi definido que a Arqmo vai informar o MPF sobre procedimento relativo ao gerenciamento da área da comunidade.
Ainda sobre a comunidade Pancada, a Arqmo assumiu o compromisso de solicitar à Secretaria de Assistência Social do Município de Oriximiná a realização de mutirão para atualização e abertura de cadastro no CadÚnico das famílias. O MPF informou que apoiará essa iniciativa por meio do encaminhamento de comunicação formal à Prefeitura de Oriximiná e à Secretaria de Assistência Social.
Convidados e participações – Além de representantes do MPF, das famílias das comunidades, de lideranças locais e da Arqmo, os eventos contaram com a presença de integrantes da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo da Área Trombetas (Acorqat). A Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Erepecuru (Acorque) esteve presente nas reuniões nas comunidades Nova Aliança, Jauari e Pancada.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Mineração de Oriximiná esteve presente na reunião da comunidade Mussurá, que também contou com a participação de representantes de áreas quilombolas do entorno da comunidade. Representantes do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e da organização Projeto Saúde e Alegria participaram da reunião na comunidade Jauari.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio) foram convidados, mas não enviaram representantes para a reunião na comunidade Nova Aliança. O Ideflor-Bio também não compareceu à reunião na comunidade Pancada. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não enviou representantes para a reunião na comunidade Jauari.
Confira os principais tópicos tratados em cada comunidade visitada:
Comunidade Mussurá – limites de territórios da Acorqat e da comunidade Mussurá; necessidade de escolha de representante para participar de diálogos relativos à definição de limites territoriais; necessidade ou não de separação entre os territórios; interesse ou não na integração da comunidade à Acorqat; localização de escola recém-construída em relação aos limites entre os territórios da Acorqat e da comunidade Mussurá; efetivação de direitos a serviços e políticas públicas essenciais, como saúde e educação.
Comunidade Jarauacá – compartilhamento de informações sobre acordo de pesca coletivo nos territórios associados à Acorqat; necessidade de obtenção de controle do uso do território de modo sustentável; necessidade de que os acordos de pesca preservem o estado pesqueiro da região para que haja a manutenção do uso pela comunidade para subsistência; riscos à subsistência da comunidade provocados pela entrada de pessoas não autorizadas, principalmente para atividades exploratórias, como a pesca predatória; falta de infraestrutura em escola local; necessidade de efetivação de direitos trabalhistas de professores; descontinuidade das aulas e falta de projeto pedagógico; dificuldades para acesso a políticas públicas de reforma agrária.
Comunidade Nova Aliança – necessidade de que problemas de regularização fundiária na comunidade sejam resolvidos sem invasão de territórios quilombolas vizinhos; licenças ambientais para a realização de atividades de turismo e pesca na região, além do cumprimento de demais regras ambientais; risco de violação de direitos trabalhistas e previdenciários de comunitários que prestam serviços a agenciadores de pesca esportiva; possibilidade de adoção de modelo de pesca sustentável, sobretudo de pesca de base comunitária; direito das comunidades à autogestão; formas de acesso a políticas públicas para territórios quilombolas e para áreas não quilombolas; necessidade de planejamento de atividades sustentáveis levando-se também em consideração as próximas gerações; importância da organização comunitária para acesso a políticas públicas.
Comunidade Jauari – compartilhamento de informações sobre o Programa Cisternas, política pública de acesso à água para consumo humano e produção de alimentos por meio de tecnologias sociais simples e de baixo custo; falta de organização do Poder Público para atender demandas e políticas públicas importantes, como as relacionadas ao acesso à água (nas esferas federal, estadual e municipais), especialmente o problema da descontinuidade de políticas públicas; importância da tomada de conhecimento sobre programas e projetos disponíveis para que as associações possam ser organizar, fortalecer e articular a participação nessas políticas públicas; necessidade de adaptação dos programas à realidade das comunidades.
Comunidade Pancada – revisão ocupação ocupacional da área; georreferenciamento do território e instalação de uma base ambiental na comunidade; problemas decorrentes da não inclusão e/ou exclusão de comunitários da relação de beneficiários de políticas geridas pelo Incra; invasões sofridas pela comunidade; necessidade de segurança para proteger o território e suas dimensões; necessidade dos membros da comunidade atualizarem seus dados no CadÚnico, com identificação como quilombola e informações sobre a renda; péssimas condições da escola local; compartilhamento de informações sobre o Projeto Aquilombar, de impulsionamento da regularização fundiária e a titulação de territórios quilombolas.
Com informações do MPF