O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) o início imediato de processo para a criação de uma ou mais Unidades de Conservação (UC) federais na região de Alter do Chão, em Santarém (PA).
A medida do MPF visa combater o avanço da especulação imobiliária, do desmatamento ilegal, da grilagem de terras públicas e da poluição que ameaçam o ecossistema local e também o modo de vida do povo indígena Borari.
Segundo o MPF, embora o município de Santarém tenha criado a Área de Proteção Ambiental (APA) de Alter do Chão há mais de vinte anos (Lei Municipal nº 17.771/2003), a administração local jamais elaborou um plano de manejo ou zoneamento para a região.
Detalhes dos problemas apontados – O MPF aponta que a gestão municipal tem atuado “sem instrumentos que deem efetividade para sua função preventiva contra empreendimentos potencialmente poluidores”.
A recomendação cita o aumento de obras irregulares, loteamentos ilegais, destruição de Áreas de Preservação Permanente (APP) e queimadas. Um exemplo citado é a Operação Cairapé I, realizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em abril deste ano, que resultou em autos de infração que somaram mais de R$ 1 milhão e no embargo de mais de mil hectares.
A recomendação destaca ainda casos específicos de licenciamento irregular por parte da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), como o empreendimento Quinta de Villa Residence e o edifício Chão de Estrelas. Em ambos os casos, o MPF e o Ibama identificaram falhas nas licenças e supressão de vegetação em áreas protegidas.
Dominialidade federal – Um dos argumentos centrais do MPF é a titularidade das terras, uma vez que a região está inserida na Gleba Federal Mojuí dos Campos, constituindo terra pública da União, fato confirmado por decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Do ponto de vista ambiental, o documento ressalta que Alter do Chão abriga parte considerável do aquífero Alter do Chão, considerado o maior reservatório de água potável do mundo, e possui um ecossistema único de savana amazônica com espécies endêmicas e raras.
Demandas e direitos – A recomendação do MPF atende também a uma solicitação formal feita em agosto de 2025 por lideranças do povo indígena Borari. Em Carta de Intenção enviada ao MMA e ao ICMBio, os indígenas denunciaram a incapacidade do poder municipal em proteger seus recursos naturais e território tradicional.
As lideranças solicitaram a federalização da proteção ambiental, alegando que a gestão municipal é “pouco efetiva” e que as ameaças colocam em risco a biodiversidade e a renda local.
O MPF enfatiza, na recomendação, que a área é reivindicada pelo povo indígena Borari e se encontra em fase de estudos pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O documento esclarece que a criação de uma Unidade de Conservação não impede a demarcação de terras indígenas, defendendo a “dupla afetação” como forma de reforçar a proteção territorial.
Detalhes da recomendação – O MPF apontou a necessidade da tomada de uma série de medidas pelo MMA e pelo ICMBio:
• Início do processo (30 dias): abertura de estudos técnicos para escolher a categoria de Unidade de Conservação mais adequada para frear a degradação.
• Grupo de Trabalho (30 dias): constituição de grupo interinstitucional coordenado pelo ICMBio, com participação do MMA, Funai, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Secretaria do Patrimônio da União (SPU), além de representantes indígenas e da sociedade civil.
• Consultas: realização de consulta pública ampla e, especificamente, Consulta Prévia, Livre e Informada às comunidades indígenas, conforme a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
• Medidas emergenciais: adoção imediata de fiscalização e proteção preventiva da área para conter ilícitos ambientais enquanto a unidade é criada.
• Cronograma (60 dias): apresentação de um plano detalhado das ações a serem implementadas.
As autoridades notificadas têm o prazo de 30 dias para informar o acatamento da recomendação e apresentar documentos comprobatórios das providências adotadas. O não cumprimento pode acarretar em medidas judiciais e extrajudiciais por parte do MPF.
Saiba mais – Recomendações são instrumentos por meio dos quais o Ministério Público expõe, em ato formal, os fatos e razões jurídicas sobre determinada questão. O objetivo é persuadir o destinatário a praticar ou deixar de praticar determinados atos em benefício da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição. Dessa forma, as recomendações permitem a prevenção de responsabilidades ou correção de condutas.