Eram 20h12 de 13 de março de 2013 quando o argentino Jorge Mario Bergoglio apareceu na sacada central da Basílica de São Pedro, provocando o grito da multidão que, uma hora antes, viu a fumaça branca da Capela Sistina anunciar a eleição do novo líder da Igreja Católica. Bergoglio, o Papa Francisco, não demorou a mostrar ao mundo como era devoto de brincadeiras: “Vocês sabem que o dever de um conclave é dar um bispo a Roma. Parece que meus irmãos cardeais foram buscar-me quase até no fim do mundo.” E veio de Buenos Aires o religioso que, nos 12 anos seguintes, agitou a Cúria levando aos holofotes temas como a defesa do meio ambiente, a punição à corrupção no Vaticano e à pedofilia, além de abrir espaço para a discussão da ordenação de mulheres e homens casados. Francisco morreu hoje, aos 88 anos, por problemas pulmonares.
A saúde de Francisco era motivo de preocupação havia anos. Além de um episódio aos 21 anos, quando passou por uma operação que extraiu parte de seu pulmão direito por uma grave pneumonia, o Papa acumulava problemas no quadril, nas costas e tinha artrose nos joelhos, o que reduziu sua mobilidade ao longo dos anos. Em julho de 2021, foi submetido a uma cirurgia que retirou 33 cm de seu intestino grosso em razão de uma diverticulite. Francisco chegou a admitir, em uma entrevista no final de 2022, que havia assinado uma carta de renúncia há uma década, caso sua saúde precária o impedisse de desempenhar suas funções. Pouco tempo depois, em junho de 2023, foi submetido a uma cirurgia que durou três horas e terminou “sem complicações”.
Francisco estava internado no Hospital Agostino Gemelli, em Roma. Após ser diagnosticado com uma infecção polibacteriana nas vias respiratórias na segunda-feira [17 de fevereiro de 2025] e com uma pneumonia nos dois pulmões dois dias depois, ele sofreu uma crise respiratória asmática prolongada na manhã no sábado [22 de fevereiro de 2025] e teve de receber oxigênio em altas taxas e fazer uma transfusão de sangue.
A saúde de Francisco era motivo de preocupação havia anos. Além de um episódio aos 21 anos, quando passou por uma operação que extraiu parte de seu pulmão direito por uma grave pneumonia, o Papa acumulava problemas no quadril, nas costas e tinha artrose nos joelhos, o que reduziu sua mobilidade ao longo dos anos. Em julho de 2021, foi submetido a uma cirurgia que retirou 33 cm de seu intestino grosso em razão de uma diverticulite. Francisco chegou a admitir, em uma entrevista no final de 2022, que havia assinado uma carta de renúncia há uma década, caso sua saúde precária o impedisse de desempenhar suas funções. Pouco tempo depois, em junho de 2023, foi submetido a uma cirurgia que durou três horas e terminou “sem complicações”.
Francisco estava internado no Hospital Agostino Gemelli, em Roma. Após ser diagnosticado com uma infecção polibacteriana nas vias respiratórias na segunda-feira [17 de fevereiro de 2025] e com uma pneumonia nos dois pulmões dois dias depois, ele sofreu uma crise respiratória asmática prolongada na manhã no sábado [22 de fevereiro de 2025] e teve de receber oxigênio em altas taxas e fazer uma transfusão de sangue.
Com a renúncia de Bento XVI, a primeira desde a Idade Média, o mundo ficou diante não apenas de uma Igreja com dois Papas, mas também diante de dois Papas com visões diversas sobre a Igreja. O que poderia ter sido um período turbulento, no entanto, foi marcado por uma convivência sem grandes atritos até a morte do Papa Emérito, em 31 de dezembro de 2022. Francisco presidiu o funeral e chamou Bento de “amigo fiel” da Igreja.
Segundo o escritor e frade dominicano Frei Betto, o argentino, visto como um cardeal moderado, chamou atenção pelo discurso social progressista, atacando o “imperialismo do dinheiro” e promovendo encontros para discutir os rumos da Igreja.
— O Papa Francisco incentivou os sínodos, as assembleias de bispos, para democratizar a estrutura autoritária da Igreja — explica. — Foi um contraste em relação aos 35 anos anteriores, nos pontificados conservadores de João Paulo II e Bento XVI. Com Bergoglio não havia tabu. Ele levantou o tapete onde se escondiam escândalos como a pedofilia no clero e levantou temas importantes, entre eles a discussão da sexualidade.
Francisco e Bento XVI conversam durante encontro no Vaticano, em dezembro de 2018 — Foto: Vatican Media/AFP
De acordo com Frei Betto, Francisco “caminhou no fio da navalha” em algumas polêmicas e ocasionalmente foi forçado a recuar em algumas frentes diante da oposição — minoritária, mas estridente — que encontrou na Cúria. Quatro meses após assumir a Igreja, o Papa questionou, em uma conversa com jornalistas: “Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la?”. Ainda assim, não permitiu que padres abençoassem a união entre pessoas do mesmo sexo.
Papel feminino
O Papa criou uma comissão para discutir o diaconato feminino, um pleito antigo na comunidade católica. Embora a proibição do sacerdócio ainda esteja em vigor, Francisco mudou o Código de Direito Canônico e autorizou as mulheres a ler textos durante a missa e a distribuição da comunhão.
À época do Sínodo para a Amazônia, em 2019, a ordenação de mulheres e de homens casados foi indicada por lideranças locais como uma possível solução para evitar a perda de fiéis indígenas para igrejas neopentecostais, cujo clero hoje é maior na floresta do que o da Igreja Católica. A proposta, no entanto, teve um papel secundário nas discussões. Prevaleceu o entendimento de que a autoridade moral é tão importante quanto a conferida por uma batina.
“Na Amazônia, as mulheres — leigas e irmãs religiosas — dirigem comunidades eclesiais inteiras. Dizer que não são verdadeiramente líderes porque não são padres é clericanismo e falta de respeito” escreveu em seu último livro, “Vamos sonhar juntos” (ed. Intrínseca), lançado em dezembro de 2020.
Borba destaca que papas reformadores, caso de Francisco, são atacados por mexer na estrutura de setores da Igreja “acostumados em ter um lugar no poder”:
— Francisco enfrentou forte incompreensão, pois falou sobre alguns temas que as pessoas não estavam acostumadas a ouvir ou pensar. É o caso da opção pelos pobres. Por isso, foi chamado de comunista, acusado de não seguir o Evangelho e atentar contra a dignidade eclesiástica — explica. — O Papa foi acolhedor e misericordioso com os fiéis, mas muito rígido com seus auxiliares diretos. Houve dificuldades para encontrar figuras dispostas a reformar a Cúria. O combate à pedofilia, por exemplo, não foi marcado apenas por acertos. Quanto mais se investigava, mais casos foram encontrados, já que os escândalos foram encobertos por muitos anos.
Em junho de 2021, o Papa fez a revisão mais abrangente do Código de Direito Canônico em quatro décadas, incluindo um artigo que contempla regras contra a pedofilia, em especial crimes de abusos contra menores cometidos por padres. Segundo o texto, o clérigo que viola o mandamento contra o adultério “ou força alguém a cometer ou submeter-se a atos sexuais deve ser punido”, “não excluindo a demissão do estado clerical se o caso assim o justificar”. Também foram incluídos novos crimes, como aliciamento de menores ou adultos vulneráveis para abuso sexual e posse de pornografia infantil.
Ainda assim, Borba considera que o Pontífice soube aumentar o “radar da Igreja”, que se tornou mais protetora com as minorias e os excluídos. O Papa discursou diversas vezes sobre o drama dos refugiados e visitou presídios em diversos países, do México e Chile à própria Itália.
Bergoglio, que se definia como um “casalingo” (“caseiro”, em italiano) antes de se tornar Papa, visitou mais de 50 países em seu pontificado. Foi o primeiro líder da Igreja Católica a desembarcar no Iraque, uma nação muçulmana de maioria xiita. Encontrou-se também com o patriarca ortodoxo russo Cirilo I, em 2016, quase mil anos após o cisma entre a Igreja do Oriente e Roma. Em Cuba, onde esteve duas vezes, foi aplaudido por mediar o descongelamento das relações diplomáticas entre Havana e Washington — os então presidentes Raúl Castro e Barack Obama o agradeceram publicamente por seu empenho. Após o início da Guerra na Ucrânia, Francisco também foi uma das vozes mais frequentes a condenar as agressões e a pedir uma saída pela paz.
Ciência e religião
Em outro front, Francisco “casou” ciência e religião na encíclica Laudato Si, a primeira da História da Igreja voltada para o meio ambiente. O documento foi divulgado em abril de 2015, seis meses antes de mais de 190 países esboçarem, na Conferência do Clima (COP-21), o Acordo de Paris, o mais ambicioso plano do mundo até então para conter o aquecimento global.
— A Laudato Si tornou-se conhecida como a “encíclica verde”, mas Francisco sempre disse que era um documento social. O seu texto associou as mazelas do meio ambiente à miséria humana.
Amante de tango e música clássica, fã do time argentino San Lorenzo, leitor do russo Fiódor Dostoiévski e do compatriota Jorge Luis Borges, Bergoglio revelou em seu último livro, escrito na pandemia, que sofreu três “Covids pessoais”, momentos definidores de sua personalidade.
O primeiro foi a doença pulmonar que quase o matou aos 21 anos. O segundo foi um exílio voluntário na Alemanha nos anos de 1980. Por último, o período em uma residência jesuíta em Córdoba, na Argentina, entre 1990 e 1992. Lá, leu todos os 37 volumes de “História dos papas”, do historiador alemão Ludwig von Pastor.
“Poderia ter lido um romance ou algo mais interessante. Mas hoje me pergunto por que motivo Deus teria me inspirado a ler esse livro naquela ocasião. É como se o Senhor estivesse me dando uma vacina. Uma vez que se conhece a história dos papas, não há muito que aconteça na Corte do Vaticano e na Igreja de hoje que pode lhe surpreender. Foi muito útil pra mim!”, escreveu.
Por O Globo — Vaticano